ASSIM NASCEU UM SUPER-HEROI!

[Esta história foi escrita, há vários anos, quando o meu filho criou um fato de carnaval e um super-herói a condizer. Esta é a história que criei para o nascimento desse super-herói.


 
    Como todas as segundas-feiras, o Pedro teve de ser arrancado da cama para ir para a escola. Depois de se vestir e de tomar o pequeno-almoço, pegou na mochila e saiu de casa. Como todos os dias, a mãe levou-o a ele e ao irmão de carro até ao portão. Como já acontecera antes, o Pedro, ao sair do carro, esqueceu-se da mochila. Mas, nesse dia, a mãe, que estava com muita pressa, não se deu conta que tinha ficado com a mochila no carro e não foi a correr atrás dele. O irmão do Pedro foi a correr para dentro da escola, mas ele, ao passar no recreio, reparou numa luz muito forte que incidia sobre a maior árvore da escola. Apesar do dia estar com o céu limpo e do sol brilhar, ao olhar para o sítio onde incidia a luz, tinha a sensação que era de noite e que ali era o único sítio iluminado das redondezas. Roído pela curiosidade, aproximou-se até ficar debaixo da luz. Tentou olhar para cima, mas o brilho era tão intenso que o cegava. Logo após ficar debaixo da luz, começou-se a sentir muito leve. Os pés deixaram de tocar no chão e ele começou a flutuar, subindo cada vez mais. Sentia-se a ser puxado através de um túnel de luz. Viu a escola a afastar-se, as casas a ficarem pequenas, as ruas, os carros, as pessoas, tudo encolheu até ficar irreconhecível. Continuou a subir até sair da atmosfera e passar pelas órbitas dos satélites, sem nunca parar. Algum tempo depois viu uma coisa enorme no espaço, uma coisa negra contra o negro do espaço e que tapava a luz das estrelas. A coisa parecia estar sempre a aumentar, embora ele soubesse que não era verdade, ele é que se aproximava cada vez mais. Aproximou-se tanto que conseguiu ver que aquilo para onde se dirigia era uma enorme nave como nunca tinha imaginado. Pouco depois estava no seu interior. Contrariamente ao que vira em filmes, o interior da nave era sombrio e frio. Estava dentro de uma espécie de quarto, seria mais certo chamar-lhe cela. Estava cercado por quatro paredes metálicas sem janelas nem portas. Do teto vinha uma luz amarelada e fraca. Antes de conseguir ver bem onde estava, começou a sentir um cheiro desagradável e ficou com muito sono, acabando por adormecer.
    Não sabia quanto tempo tinha dormido, mas quando acordou estava amarrado a uma maca numa sala estranha cheia de máquinas e aparelhos. Tentou olhar em volta, mas tinha a cabeça presa. Mesmo assim, viu umas pequenas criaturas, de aspeto repugnante, que andavam atarefadas à volta dele. Eram baixas e curvadas, tinham um pelo ralo castanho e no rosto, dois olhos amarelos, um nariz achatado e dois dentes que lhes saíam pelos lados da boca. Pareciam uma mistura de javali com o corcunda de Notre Dame. De vez em quando lançavam uns grunhidos, sem nunca emitir outros sons. Pouco depois o Pedro compreendeu que eles se entendiam uns aos outros sem precisarem de falar, ele é que não os entendia nem sabia o que estava ali a fazer. Começou a sentir-se estranho, não sentia o corpo como de costume, alguma coisa se passava com ele. A cabeça latejava com força, como se quisesse explodir, parecia-lhe que o cérebro estava a crescer e a querer sair. Tentava mexer os braços, mas, além de não conseguir, isso provocava-lhe dores. Com muito esforço, conseguiu espreitar e ver que as dores eram provocadas por agulhas que lhe tinham espetado e por onde lhe injetavam líquidos de várias cores. Pouco depois não era só a cabeça que latejava, todos os músculos do corpo tremiam. Sentia-os a ficarem mais duros, mais fortes. A visão começou a ficar turva e acabou por desmaiar. Quando voltou a acordar, já não tinha agulhas nos braços nem criaturas à sua volta. A sala estava mais escura que anteriormente e o barulho das máquinas tinha sido substituído por um pesado silêncio. No entanto, continuava tão amarrado como antes. Pensou em tentar libertar-se, mas ouviu os passos arrastados das criaturas e aguardou. Pouco depois, duas delas entraram na sala.
    - Eh, eh. Aquele planeta vai ser mais fácil de conquistar do que pensávamos. - Ouviu uma das criaturas a dizer.
    - Pois vai. - Ouviu a outra responder.
    Depois daquelas horas todas de volta dele sem dizerem uma palavra, era estranho que aqueles dois viessem agora para ali conversar, e, ainda por cima, numa língua que ele entendia perfeitamente. As criaturas continuavam a andar até que pararam de frente para ele.
    - Quais os resultados da experiência com esta criatura? - Perguntou uma. Nesse momento o Pedro pode ver que a criatura não mexera a boca. As criaturas afastaram-se para o fundo da enorme sala em que estavam, uma delas ligou uma das muitas máquinas que se encontravam a todo o comprimento da parede e, de imediato, um zumbido alto começou-se a ouvir.
    - Bom. - Disse a outra criatura, sem mexer a boca. - Pelo que analisamos, a criatura corresponde a todos os padrões biológicos que procuramos. Creio que o planeta dela poderá ser o próximo depois de termos terminado com este. - O Pedro conseguia ouvir as palavras todas perfeitamente, apesar da distância que o separava das criaturas e do barulho quase ensurdecedor das máquinas. Só tinha uma explicação para o caso, as criaturas, os Ranzi, como se chamavam a eles próprios, comunicavam por telepatia e ele agora, por alguma razão, conseguia entender. Não só as conseguia entender, como conseguia pensar com mais facilidade e sentir tudo aquilo que o rodeava. Os Ranzi, sem saberem, tinham acordado uma parte do cérebro do Pedro que, como em todos os seres humanos, se encontra dormente há milhares de anos. O Pedro começava a sentir isso, começava a saber coisas sem saber como. Algo se passara com ele, as drogas que lhe tinham injetado tinham-no transformado para sempre.
    - Já podemos nos divertir com ele? - Perguntaram outras criaturas quando entraram na sala.
    - Por mim não vejo inconveniente. - Respondeu aquela que parecia ser a que comandava as experiências.
    - Então pode ser. - Respondeu a outra que o acompanhava, que parecia ser o comandante da nave.
    - Então vamos levá-lo lá para baixo! - Disseram as outras.
    O Pedro sentiu a maca a ser empurrada através da sala. Pouco depois estava dentro do que deveria ser um elevador. Sentiu-o a descer e a descer até parar algum tempo depois. Voltou a sentir a maca a ser empurrada e saiu do elevador. Os tetos agora eram diferentes, ele pouco mais do que isso conseguia ver. Cheios de tubos e ferros, não tinham nada a ver com os tetos lisos dos pisos superiores. Pouco depois entrou numa sala onde a maca foi colocada junto a uma enorme máquina. As criaturas riam-se e grunhiam de felicidade. Cabos foram encaixados na cabeça, nos braços e nas pernas do Pedro.
    - Dá-lhe! - Disse um. Uma outra criatura acionou um interruptor gigante e uma enorme descarga de eletricidade foi lançada para o corpo do Pedro pelos cabos. Este começou a tremer e a saltar. Os músculos mexiam-se sozinhos e a cabeça andava à roda, mas não saia do sítio porque continuava amarrado. As criaturas lançavam uma descarga e depois paravam. Pouco depois lançavam outra e assim sucessivamente, enquanto se riam com o que viam. O Pedro perdeu a noção do tempo, não sabia quanto tempo aquilo tinha levado quando eles pararam.
    - Este é duro. - Disse uma das criaturas.
    - Ainda bem. - Respondeu outra. - Assim podemos continuar a diversão amanhã. - Com uma gargalhada, saíram todos da sala e fecharam a porta. O Pedro ficou envolvido em escuridão e silêncio. Tinha os olhos fechados e aguardava. As horas passaram e as criaturas recolheram para o período de descanso, não ficando nenhuma de vigília. A confiança que tinham no seu próprio poderio e domínio era tal que não sentiam haver nenhuma necessidade disso.
    Quando tudo na nave estava sossegado, o Pedro abriu os olhos. Continuava com os cabos ligados a ele. Sem ninguém lhe tocar, a máquina ligou-se e começou a lançar descarga após descarga de eletricidade sobre o Pedro. Mas, desta vez, as descargas não paravam e eram cada vez mais fortes. O Pedro tinha os músculos todos tensos, mas já não saltava nem tremia. As descargas aumentaram de tal maneira, que o sistema elétrico da nave entrou em alerta vermelho e a máquina acabou por derreter os cabos e queimar por completo. Como tudo começara, também tudo terminou. A escuridão e o silêncio voltaram à sala, mas não por muito tempo. Com movimentos violentos, o Pedro rebentou as correias que prendiam. Levantou-se e saiu da maca. Com um movimento da mão, fez com que a porta se esmagasse sozinha abrindo-lhe passagem. Por onde passava, as luzes acendiam, para depois apagarem quando ele já não se encontrava debaixo delas. Quando chegou ao elevador, em vez de o chamar, decidiu colocar as mãos na parede metálica. Fechou os olhos e começou a sentir cada centímetro da nave, cada criatura, cada computador, cada circuito. De repente, as mãos do Pedro começaram a estalar com pequenas faíscas que saltavam entre os dedos. Com um rugido, o Pedro lançou uma poderosa descarga elétrica pela nave que queimou todos os instrumentos, computadores, motores e circuitos elétricos inutilizando a nave por completo. De seguida, transformou-se num fluxo elétrico e deslizou pela nave até chegar à sala de controlo. Cercado de monitores rebentados e a fumegar, viu a imagem de um planeta sarapintado com luzes laranjas de uma enorme guerra. As criaturas que o tinham raptado estavam a atacar o planeta e ele sabia que depois tencionavam atacar a Terra. A nave começou a ser puxada pela gravidade do planeta para a sua destruição eminente. O Pedro levantou os braços e, como um enorme relâmpago, disparou para o planeta.
    Os exércitos invasores avançavam sobre os corajosos, mas incapazes defensores do planeta. Aquele povo que sempre vivera em paz e que odiava as armas, era agora atacado por aqueles monstros destruidores. Subitamente, uma luz vinda do céu caiu sobre as máquinas de guerra dos invasores, provocando uma enorme explosão em cadeia. Quando o pó finalmente assentou, o Pedro estava de pé no centro da cratera que tinha criado. De imediato começou a sentir os pensamentos dos Bonfu, o povo que vivia naquele planeta. Eram criaturas ternas e pacíficas que amavam a música e o estudo da natureza e das estrelas. Não eram um povo guerreiro, nunca tinham feito mal a ninguém nem eram capazes de o fazer. Os Ranzi estavam a aniquilar um povo pacífico com uma rica cultura milenar. O Pedro detestava ver os mais fortes a abusarem dos mais fracos. Levantou os braços e o corpo começou a ser envolvido por descargas elétricas. Com faíscas a sair dos pés e das pernas, elevou-se no ar e com os braços começou a lançar relâmpagos contra as máquinas que avançavam, inutilizando-as por completo e até mesmo derretendo-lhes a blindagem. As máquinas atiravam tudo o que tinham sobre ele, feixes de energia, mísseis, foguetes, mas nada o atingia, descargas elétricas saiam-lhe do corpo e intercetavam os ataques.
    - É só isso que têm para mim? - Gritava ele enquanto lançava relâmpago atrás de relâmpago.
     Impotentes, as máquinas recuaram e aguardaram pela chegada das naves de ataque ao solo. Sob o céu nublado, as naves avançaram. O Pedro olhou para as nuvens e, pouco depois, uma tempestade elétrica começou a formar-se. Faíscas atravessavam as nuvens, iluminando-as por dentro. Quando as naves chegaram perto do Pedro e dos Bonfu, o céu caiu-lhes em cima com uma fúria nunca antes vista naquele planeta. Relâmpagos rasgavam os céus, cortando as naves em pedaços, o aumento da eletricidade estática no ar queimou todos os instrumentos, inutilizando os controles dos aparelhos que se despenhavam um atrás do outro. A fúria dos elementos que o Pedro controlava era tal que nem a poderosa máquina de guerra dos Ranzi, que já tinham conquistado incontáveis mundos, lhe podia fazer frente.
    Incapazes de usar a sua tecnologia contra tão poderoso inimigo, um inimigo que eles, na sua loucura e ambição, tinham criado, os Ranzi avançaram com a única arma que lhes restava, os soldados. Os últimos resistentes Bonfu encontravam-se agora encurralados por enormes montanhas e pelos seus invasores. A única coisa que se interpunha entre as duas espécies era o Pedro. Os soldados Ranzi avançaram com as armas em punho, desde machados a canhões de energia. Corriam de forma desenfreada, levantando uma enorme nuvem de pó e, quando avistaram os defensores, lançaram um grunhido coletivo que arrepiou todos os Bonfu inundando-os com um medo irracional e lançando-os em pânico.
    - Todos para trás! - Disse o Pedro telepaticamente aos Bonfu. Estes, que não sabiam quem lhes metia mais medo, se eram os Ranzi ou aquela criatura que nunca tinham visto antes, recuaram de imediato. O Pedro olhou para os soldados que avançavam, sorriu e pousou um joelho no chão. Na terra mole onde cresciam umas curiosas plantas vermelhas enterrou lentamente os dedos. De seguida, levantou a cabeça e olhou para os soldados. Estes estavam suficientemente perto para lhe verem o sorriso no rosto e sentirem um arrepio pelo corpo todo. Um por um, começaram a parar a sua marcha. Aqueles olhos e aquele sorriso, apesar de não ter nada de especial, incutiam-lhes um medo como nunca tinham sentido.
    - Sonhos cor-de-rosa. - Disse o Pedro. De imediato a terra começou a vibrar. Das mãos do Pedro saiu uma enorme descarga elétrica que se propagou pelo chão em direção aos soldados. Estes nem tiveram tempo de reagir. Foram atingidos com a força toda, sendo projetados pelo ar. A descarga espalhou-se em círculo como as ondas provocadas por uma pedra a cair na água. Minutos depois todos os soldados jaziam inanimados no chão. A descarga fora suficientemente forte para os desmaiar e suficientemente fraca para não os matar.
    O comandante da invasão Ranzi, que tinham ficado na nave-mãe, ao se ver derrotado, entrou de imediato em contacto com os comandantes das outras naves.
    - Sim, comandante! - Responderam estes, ao serem chamados.
    - Quero que bombardeiem o planeta até não sobrar nada. - A inveja e o egoísmo do comandante foram a sua perdição.
    No planeta, tudo estava calmo, mas o Pedro sabia que isso não era para durar muito tempo. Os Bonfu estavam muito atarefados a prenderem os soldados Ranzi antes que eles acordassem e não sentiam a tensão que se concentrava no ar. O Pedro olhava para o céu que estava coberto, até que viu uma luz a faiscar com tal intensidade que atravessava as nuvens. Uns segundos depois um enorme feixe de energia atingiu a superfície do planeta provocando uma enorme explosão. O chão estremeceu e um estrondo gigantesco rasgou o ar. O Pedro lançou-se de imediato em direção às nuvens, atravessando estas pouco depois. Acima dele pode ver as naves em formação de ataque. Todas preparavam os seus enormes canhões de plasma para bombardear o planeta. Uma nova descarga já estava em formação. Entre os braços do Pedro, que estavam estendidos para a frente, começou-se a gerar uma tempestade elétrica. Aos poucos e poucos foi crescendo até envolver o corpo todo do Pedro. Quando isso aconteceu, ele lançou uma descarga de tal magnitude que a mesma queimou o ar por onde passou em direção à nave-mãe. O impacto foi tão violento que a nave se partiu em vários bocados, todos eles saturados de eletricidade, que acabaram por se transformar em bolas de fogo ao entrarem na atmosfera. A descarga também danificou as restantes naves, causando-lhes fortes avarias nos sistemas elétricos, o que as impedia de permanecerem ali. De imediato iniciaram uma retirada para o seu planeta de origem. Assim terminava uma campanha de conquistas, com uma derrota da qual nunca mais iriam recuperar. Desde esse dia, o nome Ranzi deixou de ser sinónimo de medo, nunca mais se ouviu falar deles e a galáxia viveu, finalmente, em paz.
    No planeta dos Bonfu, a alegria espalhava-se por todos os lados. O rei organizou uma grande festa em homenagem ao Pedro como sinal de agradecimento por os ter salvo das garras dos Ranzi.
    - Meu querido amigo. - Disse o rei Bonfu, dirigindo-se ao Pedro. - Em sinal de eterno agradecimento só te posso oferecer a amizade de todo o povo Bonfu e isto. - Fazendo um sinal, uma caixa foi-lhe entregue e ele colocou-a nas mãos do Pedro.
    - Vamos, abre. - Disse o rei.
    O Pedro abriu a caixa e, lá de dentro, retirou um uniforme roxo com relâmpagos no peito, braços e pernas, um par de botas a condizer e uma máscara com um relâmpago na testa e um de cada lado, virados para trás, por cima das orelhas.
    - Veste! Veste! Veste! - Começaram todos a gritar.
    O Pedro, para alegria de todos, vestiu o uniforme, que lhe servia perfeitamente e agradeceu ao rei a oferenda.
    - A partir de hoje. - Disse o rei. - Vais passar a ser conhecido por Electro-Boy!

    …E assim nasceu um super-herói...

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